Se você tem alguma religião, e em consequência acredita em paraíso, vida eterna, essas coisas, diga lá: pode haver céu e eternidade felizes sem cães, gatos, cavalos e outros animais? Pode haver um paraíso sem nascer e pôr do sol, e, em os tendo, podem eles acontecer sem o canto dos pássaros? Pode um paraíso ser alegre apenas com o dedilhar de anjos em suas pequenas harpas? Mas que chatice! Então me responda: por que não se reza pelos cães? Por que não se admite que, se for para existir esta coisa chamada “alma”, forçoso é admitir que todo ser vivo terá direito a ela, das baleias ao musgo, passando, é claro, pelo cães. Mas não se reza pelos animais, não, pelo menos, na vida adulta. As crianças, tenho certeza, serão muito mais capazes de rezar por seus animais do que por muitos parentes que se vão.
Conheci o Alemão faz quatro anos. Na época ele era um cão forte, orgulhoso, poderoso. Viva em torno da esquina das ruas Duque de Caxias e Cipriano Ferreira, depois de ter passado uma temporada na Riachuelo. O motivo da mudança era evidente: se apaixonou por Tanise, e transferiu-se para a frente de sua casa. Da amada e de sua mãe, Maria Helena, ganhava água, comida e pouso: à noite, tinha acesso à garagem, onde dormia protegido das intempéries e da “maldade humana”. Só não podia frequentar o resto da casa porque essa era território de uma poodle ciumenta, que não admitia visita de estranhos.
O tempo em que viveu ali (e onde foram batidas as duas fotos que acompanham este texto), Alemão manteve a paixão, mas nunca foi um exemplo de fidelidade. Era um rabo de saia convicto. Fugia de homens estranhos, mas saia atrás de qualquer mulher que lhe oferecesse a promessa de um sorriso. Foi assim com Ânia, a minha. Voltando da academia, um dia cruzou com Alemão, falou com ele e pronto: ficaram amigos. Chegando em casa, ela me contou do rival e, de pronto, fui conhecê-lo. Latiu para mim, me evitou, não me deixou chegar perto. Mas sou paciente.
As próximas semanas foram dedicadas a um lento processo de aproximação. Ração seca? Não gostava. Biscoito para cães? Refugava. Ração úmida. Ah! Esta ele cheirava, sentava junto, e até comia, mas nunca de minha mão. Precisava deixá-la no canto do pratinho da Tanise, ir embora e supor, quando voltava depois de um tempo, que o sumiço dela significava que ele havia comido. Certeza nunca tive. Naquela época, saí pela zona tentando descobrir sua origem. Vira-latas de rua não era, não podia ser. Então surgiram várias histórias.
Algumas: seu dono era um velhinho que havia morrido. Pouco provável, dado à sua desconfiança dos homens. Então sua dona era uma velhinha que havia morrido. Mas também não era provável, pois era um cão muito acostumado a andar na rua, e nesse caso, seria conhecido. E ele havia aparecido de um dia para o outro na Riachuelo. Teria fugido de casa? O mesmo problema, fosse assim seria conhecido de alguém na região, e os cartazes distribuídos não deram resultado. Então, um menino que um dia assistia da esquina minhas peripécias para atrair Alemão com guloseimas caninas me disse:
- Conheço este cachorro.
Ora viva!
Ele me contou então que, há algum tempo, um caminhonetão desses grandes havia parado na frente do Colégio das Dores, pouco antes do horário de saída, jogado fora o cachorro e ido embora. Disse que vários colegas haviam assistido à cena e que o cachorro havia corrido atrás do carro, mas depois voltado para a frente do colégio. Fui verificar e mais dois alunos, um deles mais velho, já do segundo grau me confirmaram o havido. Nenhum dos guardas ou motoristas de transporte escolar tinha visto coisa alguma. Mas na falta de provas de qualquer das versões, esta ficou sendo a minha preferida. É a mais parecida com o comportamento humano dominante.
Só consegui conquistar a plena amizade do Alemão lá por outubro de 2009. Foi num sábado quente. Cheguei em casa e fui ver se estava em seu local de sempre. Estava. Me aproximei conversando, ele veio me cumprimentar, mas não ficou perto. Fui para casa. Logo depois desabou um daqueles temporais de chacoalhar a cidade e lembrei dele, naquele temporal, pois a casa de Tanise havia me parecido vazia. Peguei um pacote de comida e fui para lá. Debaixo da maior chuva, sentei no cordão da calçada e o chamei. Ele veio. Ofereci um biscoto. Ele cheirou mas não comeu. Dei uma mordida e ofereci de novo. Ele mordeu. E ali ficamos até a chuva passar, comendo biscoitos para cães, para espanto dos motoristas que passavam. Ficamos amigos.
Convém esclarecer que eu não era o único. Àquela altura todo mundo na zona já conhecia o Alemão, e lhe dava coisas. Às mulheres, ele agradecia festivamente, aos homens, com circunspecção. Além de mim, outro homem de quem gostava era do pai da Tanise, ao qual seguia em suas caminhadas pelo centro até ser mandado de volta. Então voltava para casa, estivesse onde estivesse. Por esta época, descobriu-se que além das paixões fugazes tinha um outro amor estabelecido. Iara morava na General Alto. Ele também ficava na frente de sua casa, onde recebia água e comida. Ele também era apaixonado por ela. E, notável, durante muito tempo nenhuma das duas – Iara e Tanise – desconfiou da existência da outra, apesar das duas casas ficarem a menos de três quadras uma da outra. Mas Iara tinha em casa uma cachorrinha ciumenta, e ele não podia entrar. Mas a esta altura nem parecia querer. Adorava a liberdade e dava grandes passeios.
Então, no início de janeiro de 2010, logo depois do ano novo, Alemão ficou doente, muito doente. Ficou prostrado, não comia, orelhas e cauda caídas, nariz quente, o quadro da dor. A nós, leigos, parecia intoxicação, pois muita gente havia dado a ele restos da ceia de ano novo, e algumas dessas coisas haviam ficado ao sol por muito tempo. Tanise o deixou preso na garagem e chamou uma veterinária. Ela deu-lhe uma injeção, mas recomendou internação. E disse que, provavelmente, seria um problema renal. No dia seguinte, o pusemos no carro, carregado no colo de Tenise, para entrar, e o levamos para uma clínica. Ficou lá de 4 a 11 de janeiro, e o veterinário (do qual não cito o nome porque a clínica fechou ou se mudou e perdi contato) confirmou o diagnóstico de problema renal. E avisou:
- É crônico, não tem cura. Vão ocorrer outras crises e ele irá piorando. Teria que tomar medicação permanente e controlar a alimentação para estabilizar o quadro. Na rua isso é impossível. E mesmo em casa é difícil. Talvez ele já tenha tido uma crise dessas, e talvez por isso seu dono original o tenha posto fora.
O tempo todo em que ficou internado, visitei Alemão todos os dias, menos no domingo, último dia, pois neste visitas não eram permitidas. Brincamos, levei presentes, “conversamos”. Na segunda, quando fui buscá-lo tinha tomado banho e ele estava em uma geringonça de secar cães que mais parecia uma máquina do tempo. Lá dentro, após ter sido lavado e esfregado, e submetido a vento e barulho, estava... assustado? Nada. Imperial e imperturbável como sempre. Apenas me olhou e sussurrou com os olhos:
- Me tira daqui.
Naquele momento, tinha mais pompa e circunstância do que qualquer Akita com linha de ascendência registrada em uma biblioteca de pedigrees. E revelava, na expressão, toda a imensidão de seu bom caráter, que fazia com que nunca tivesse avançado, nem (muito menos) ameaçado ou mordido alguém, em seus tempos de rua.
Paguei a conta, ganhei uma guia e uma coleira usadas, mas muito bonitas para retirá-lo de lá (tinha ido no colo, lembram?) e o levei até o carro. E então, problemas: ele não gostava de andar de carro. Detestava. E eu tinha ido sozinho. Como colocá-lo para dentro, agora novamente forte e vigoroso? Puxa daqui, puxa dali, ele acabou por colocar as duas patas da frente e tirar a coleira para fora. Saiu correndo pela rua (Barão do Amazonas, quase esquina Bento Gonçalves) em direção à Ipiranga. Fui atrás. Consegui pegá-lo três quadras depois. O segurei pelo pescoço, uma mão de cada lado, e fiquei cara a cara com ele, jogado no chão. Impasse. Não tinha como recolocar a coleira, se soltasse uma das mãos ele fugiria. Pedi ajuda (esta na frente de uma garagem de ônibus, cheia de motoristas na frente). Todo mundo olhou o tamanho do cachorro e ninguém veio. E assim ficamos.
Devem ter sido segundos, me pareceram horas. Então ele me olhou nos olhos, virou o focinho para o lado e prendeu meu braço direito com os dentes, delicadamente. Não mordeu. Soltou e me olhou nos olhos (pertinho, uns 20 cm. de distância, literalmente olhos nos olhos). Repetiu o processo exatas quatro vezes. Nunca mordeu, nem sequer arranhou. Então deu um safanão mais forte, virou o focinho um pouco mais, pegou minha mão na parte carnuda e mordeu.
Mordeu com cuidado, se fosse com raiva, naquele lugar, teria arrancado um baita pedaço. Mas, apesar de mal ter furado, mão é mão, tive um baita sangramento. Soltei. Ele fugiu para a Ipiranga. Na esquina, parou e me olhou. Depois, foi embora. Voltei ao veterinário, que fez um primeiro curativo, e fui para o pronto socorro levar pontos, fazer a anti-tetânica e ser encaminhado ao posto de saúde para fazer a antirábica. Quando cheguei em casa, duas horas depois (no auge do pique de trânsito), ele já estava lá. Havia percorrido quase dez quilômetros do pior trânsito da cidade e estava lá. Quando me viu, veio, cabeça baixa, lamber minha mão enfaixada. Nunca mais lambeu a outra, sempre a que havia mordido. Viramos irmãos de sangue. Pelo menos do meu sangue.
Por pouco tempo tudo voltou à antiga rotina. O que mudou as coisas foi uma dupla de vira-latas que, sabe-se lá como, cruzou pela vida do Alemão. Um macho e uma fêmea, cada um mais feio que o outro, mas “bons amigos de fé, irmãos, camaradas”. Vinham todo o dia, de manhã, e esperavam que a porta da garagem fosse aberta e ele saísse para a rua. Com eles foi que Alemão aprendeu uma das maiores especialidades do clã dos vira-latas: correr, latindo, atrás dos pneus dos carros. Passou a dedicar-se a isso com extremo afinco e grande habilidade. As pessoas da zona, que gostavam dele, não gostaram tanto dos novos amigos, “vira-latas demais, e feios” para a maioria. E tanto fizeram que um dia eles sumiram. Alemão deprimiu. Nunca mais correu atrás de carros, mas deu para sumir por dias. Muitas vezes sai a procurar por ele, seguindo indicações de pessoas que garantiam tê-lo visto nos mais variados locais.
Uma ou duas vezes (Redenção e IAPI) consegui achá-lo. Interessante. Bastava então fazer-lhe um cafuné depois dizer: - Pra casa, que ele voltava; para a frente da casa da Tanise, é claro. Outras vezes, achei apenas seu rastro. Por onde andasse, fazia amigos, então bastava chegar ao lugar certo e perguntar pelo cachorro legal que estaria andando por ali e logo surgia alguém com a descrição exata dele. Alguns desses lugares: na frente do Hospital Getúlio Vargas (na Avenida Independência), onde frequentou a banca de revistas; no cruzamento da Free-Way com a estrada que vai para Cachoeirinha (ganhou pouso num barracão de venda de abacaxi e lenha); em Alvorada (comeu cachorro quente na avenida central) e em Ipanema (parece que andou visitando o Bat-Bat, mas não bebia). No entanto, sempre voltava.
Em setembro de 2010 morou no Acampamento Farroupilha, no Parque Maurício Sirotsky. Comeu carne e sal como nunca deveria ter comido. Ficou doente outra vez. Foi tratado em casa, dessa vez, e antes de ficar completamente curado, sumiu. Sumiu. Fui reencontrá-lo no canteiro de obras que havia se instalado no mesmo parque. Devia estar esperando que os farroupilhas voltassem para se empanturrar de carne outra vez. Consegui falar com ele, mas quando o mandei pra casa, ele deu as costas e rumou para o outro lado. O rabo já não estava tão empinado.
Morou uns tempos na Vila Chocolatão, onde ganhou o nome de “Garanhão” porque estava sempre dando em cima das cadelas. Dizem que foi sempre bem tratado, mas não deve ter gostado das instalações, pois se mudou para um espaço da Escola Técnica Parobé, em frente. Lá enfrentou dois problemas. Viu a vila ser removida, e seus amigos e namoradas dali irem embora, e enfrentou a má vontade de duas ou três professoras, que achavam que colégio não é lugar para cães.
Foi ali, também (onde cheguei a visitá-lo algumas vezes, e de onde se recusava a sair) que foi descoberto por Bernardete, funcionária do Centro Administrativo do Estado, que passou a alimentá-lo e que, quando a situação com as professoras tornou-se insustentável, junto com uma amiga conseguiu convencê-lo a sair e o levou para a Pet e Clínica “Cantinho dos Travessos”, na Demétrio Ribeiro, que o abrigou, apesar de sua proprietária, Letícia, ter percebido desde o primeiro momento que ele estava em um estágio terminal de insuficiência renal.
Na dura vida do Alemão, esse foi seu melhor momento. Até então, todos que haviam dele se aproximado, e mesmo ajudado, haviam dado muito, menos um abrigo seguro. Inclusive eu, todos tínhamos motivos para não levá-lo para casa, um outro cão, pouco espaço, pouca grana ou, no meu caso, cinco gatos. Na clínica de Letícia ele conviveu bem com outro cães, com gatos, teve seu sustento (alimentação especial e medicamentos) bancado por um crescente número de amigos e jamais reclamou do espaço. Ganhou um porto seguro, uma casa, e sentiu-se assim, em casa. Apenas seus rins jamais melhoraram.
Neste último sábado, dia 19 de agosto de 2012, depois de dois dias no soro, sem comer, cheio de feridas na boca, botando sangue para fora por tudo, Alemão foi posto para dormir, este eufemismo que a mim parece desprovido de todo sentido para a cruel realidade da verdadeira informação: foi sacrificado.
Ficamos – Ânia e eu – com ele quase até o fim. Claro, ele preferiu a companhia da Ânia, mulherengo como sempre, mas lá pelas tantas veio para o meu lado, deitou a cabeça no meu colo e conversamos um pouco. Não que eu tivesse o que lhe dizer. Eu queria poder sequestrá-lo e levá-lo para um lugar onde um milagre acontecesse, ele ficasse curado e a gente pudesse ficar junto. Uma última vez ele lambeu minha mão, a direita, é claro. Não a lavei até o dia seguinte.
Então ele foi levado e se foi.
Gostaria de ter ficado junto até o fim, mas Dona Celina, mãe de Letícia, que com ela o cuidou neste último ano e meio, o pegou e foi. Tenho certeza que ele morreu mais tranquilo nos braços de uma mulher. Saí da clínica à francesa.
Não tenho mais um amigo. Posso rodar pela cidade o quanto quiser, procurar por todos os cantos, nunca encontrarei Alemão por aí. Se pudesse, mandaria rezar uma missa por ele na Igreja das Dores, não que eu seja católico, mas porque seu velho pátio, hoje transformado em estacionamento, foi um dos lugares que Alemão frequentou. De repente, até pela nave da igreja ele andou. Mas não se reza por cães. E, apesar dos padres dizerem que eles, como todos os animais, não têm alma, a verdade é que eles não morrem, mas deixam sua memória (outro nome para “alma”) para sempre viva entre todos que conviveram com eles.
E agora, vou brincar com o Alemão.
Pessoas conhecidas (há tantas outras, que não conheço) que fizeram parte da vida e ajudaram o Alemão neste curto tempo que esteve entre nós: Tanise; Iara; Ânia; Maria Helena; Bernardete; Carlos (que o levava a passear nestes últimos tempos), Enara (aplicava-lhe reiki); Simone (fazia imãterapia); Dona Vera; Mariluce; Aita; Verena e, claro, por último, mas as que mais fizeram para tornar melhor e mais digna a vida do Alemão, Letícia e Dona Celina, da Pet-Clínica Recanto dos Travessos. Onde estiver, com ou sem alma, de lá ele agradece por tudo.
"Ximbica" é empresário de sucesso em Porto Alegre, nem velho nem moço, nem de direita nem de esquerda, nem agitador nem acomodado. Um livre pensador. Claro que seu nome não é este, mas como, na posição que tem, poderia assinar certas coisas? Então virou "Ximbica", sabe lá Deus por que deste pseudônimo, para escrever aqui.
Quando não se consegue achar a culpabilidade escrachada – caso do ladrão de galinhas – a alternativa é seguir o exemplo americano. Lá, depois de investigarem minuciosamente durante o tempo que for necessário, constroem-se inquéritos recheados de provas incontestáveis antes de apresentarem a denuncia ao juiz. Ou seja, desenham meticulosamente a galinha de um jeito tal que não possa ser confundida sob hipótese nenhuma. Tem penas, asas, bico, pés e até cheiro de galinha. Configurado o crime, mandam prender sem chances de hábeas, a não ser por verdadeiras fortunas calculadas conforme o patrimônio do réu.
A indignação nacional com o prende e solta dos figurões do mundo financeiro envolvidos em mega operações de fraude ao erário publico e outros crimes como lavagem de dinheiro precisaria ser vista por um ângulo mais simplista. Não sou advogado muito menos magistrado, sou apenas um cidadão consciente de meus deveres e obrigações e cumpridor da lei e da ordem, dentr o do possível. Como tal não me é dado o direito de desconhecer a lei. Nem a mim nem a ninguém. Mas daí a entender a complexidade dos pressupostos delitos cometidos por essa turma do Daniel Dantas e companhia vai uma distancia e tanto. Se a própria Policia Federal levou quatro anos investigando, tendo nos seus quadros advogados e técnicos tributa ristas e contábeis especializados, como querem que a gente entenda esse tipo de crime da noite para o dia.
A complexidade das operações financeiras desenvolvidas pelos possíveis meliantes é de tal ordem que escapa ao nosso saber. O emaranhado de legislação e regras que deveria ordenar nosso sistema financeiro é quase incompressível até para os especialistas. Ou seja, navegar por essas águas é somente para quem conhece e muito. As inteligências do Daniel e do Nahas são por muitos conhecidas e elogiadas. Trata-se de mentes brilhantes a serviço de suas próprias causas. Constituíram dezenas de empresas de sucesso e criaram entre elas e os setores públicos toda a sorte de relacionamentos comerciais. Operações de bolsa de valores sofisticadíssimas aqui e também lá fora. Fundos de administração de carteiras gerando bilhões de reais no cassino da bolsa, e mais um sem número de negócios de intermediação e representação, que também nos escapam quanto à complexidade e execução, fazendo nascer outras dezenas de zeros após a virgula. Lucros fabulosos, legais ou não. Difícil, muito difícil a caracterização e tipificação os delitos.
Muitas brechas na lei e na falta dela, inclusive para caracterizar essas supostas artimanhas. Fica fácil a concessão do hábeas por parte dos ministros do STF. Alias, difícil é o convencimento dos crimes, e dos riscos do que podem os supostos envolvidos estando em liberdade representar. Quanto a possível evasão deles do país, é parte do jogo. Vide o Cacciola, de volta sob os generosos holofotes da mídia.
Quando um ladrão de galinhas é pego a coisa é bem mais simples. Tem o ladrão de um lado e a galinha do outro. A tipificação é flagrante. Ponto. Transponham isso para os “crimes” do Daniel Dantas e vejam se conseguem chegar perto de alguma coisa parecida.
Os sucessivos hábeas corpus obtidos e mais os que ainda virão decorrem exatamente dessa dificuldade. O inquérito policial já soma milhares de paginas que precisam ser analisadas pelo judiciário em suas várias instâncias. É obvio que haverá mais discordâncias sobre a culpabilidade em vários dos delitos apontados. A tecnicidade e apuro dos peritos serão postos a toda a prova durante esse julgamento. Ah, e a prescrição? Vem a galope, cinco aninhos para esse emaranhado é um vapt-vupt.
Aparentemente as coisas estão bem encaminhadas pela Policia Federal. Acho, inclusive, que os acusados de fato são culpados da maioria dos crimes que lhes são imputados.
Mas e a galinha, cadê?
(Ximbica)
Esta reforma ortográfica que vai nos ser imposta ao final do ano atende principalmente aos interesses das editoras em língua portuguesa, visando aumentar o mercado livreiro. Assim como está hoje em dia, muitos livros precisam passar por um ridículo processo de tradução do Português para o "brasileiro", ou vice-versa, o que encarece a produção do livro. Ou seja, estamos sofrendo mais uma conseqüência da chamada "globalização". Isto não acontece apenas no Português, mas em quase todos os idiomas falados em antigos impérios coloniais onde a "matriz" não é forte o bastante para impor sua própria norma culta. Mas acontece com freqüência em nossa língua, porque a cultura portuguesa é cartorial e gosta que se enrosca de uma boa confusão.
Só por isso não fazem a reforma definitiva de uma vez, e vão deixando penduricalhos para no futuro torrarem o saco de uma outra geração com novos "ajustes".
Isto, no entanto, não significa que a língua não deva ter regras, que não exista uma língua "certa" e - por oposição - outra "errada".
"Feliz o pobre sem amargura e o rico sem soberba."
Levei um puxão de orelhas de um leitor(a) anônimo(a) em função do texto anterior. Ele(a) alega que, naquele texto, acabei fazendo justamente o que condenei no primeiro sobre o mesmo assunto.
Terminou a confusão sucessória na Universidade Federal do Rio Grande do Sul; ou, ao menos, assim se espera. Em uma longa, tensa e tumultuada reunião, o Consun (Conselho Universitário), órgão máximo da Universidade, fez o que todos deveriam ter feito: cumpriu a lei, seguiu as regras e proclamou o resultado legal. Parece simples, mas não é. Em um país onde o exemplo do descumprimento às leis vem de todos os lados, a elite pensante universitária quase sucumbiu ao “jeitinho”, motivada pelos mais variados interesses, dos políticos aos de vaidade pessoal. No Conselho, afinal, prevaleceu o bom senso. Não deixa de ser um alívio perceber que ainda se pode confiar – senão em toda – pelo menos no colegiado superior da academia, para dar um exemplo de comportamento digno.
Não sei onde foi publicado este texto. O recebi via internet, e, como acontece com lamentável freqüência, sem registro de origem. Suponho que deva ter sido publicado no Correio do Povo. Como, faz muito tempo, pedi e obtive autorização do autor para reproduzir seus textos em um site que então editava, vou me aproveitar dela para publicar aqui este que é, para mim, a melhor e mais sensível análise sobre a morte de Dona Ruth Cardoso. O texto é de Juremir Machado da Silva. Vejam só que beleza:
As imagens do desamparo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso junto ao caixão da esposa, Ruth, emocionaram o Brasil. Estava ali um homem realmente ferido pela perda. Fiquei arrepiado. O país inteiro arrepiou-se. Existem, neste mundo moderno, muitas formas de casamento. Uma delas sempre me chama a atenção: o casamento de cumplicidade. É a união de um casal de longo tempo por meio de muitas aventuras e desventuras, um cimento inquebrável. Fernando Henrique e Ruth estiveram casados por 56 anos. Construíram tudo juntos, da profissão ao êxito político dele. Experimentaram o exílio. Discutiram idéias. Intelectuais brilhantes, eles publicaram livros e viram o mundo. A política, de certo modo, foi o menos importante.
Na época em que eu estudava Antropologia, li textos de Ruth Cardoso. Havia qualidade, pertinência e sensibilidade em suas análises. Para nós, ela era e continuaria sendo a antropóloga Ruth Cardoso, um modelo de pesquisadora. Quando eu era estudante de História, li o que Fernando Henrique fez de melhor na vida, 'Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional'. É impossível esquecer esses escritos. Fiquei pensando numa frase de outro antropólogo, o mais famoso do século XX, Claude Lévi-Strauss, que completará 100 anos em novembro, 'o mundo começou sem o homem e terminará sem ele'. É sabido que todas as nossas glórias são vãs. A fragilidade de Fernando Henrique durante o velório da mulher com quem partilhou a vida era apenas uma manifestação concreta dessa obviedade. Imagino que a mesma cumplicidade una o atual presidente e sua esposa. O poder nada pode contra isso. Tudo passa. Menos o grande amor.
Ali, junto ao caixão, estava Fernando Henrique, não o FHC inventado pela máquina de moer políticos de uma esquerda que julgava se diferenciar dos outros por uma marca ontológica, essencial, metafísica, representar o bem contra o mal. Já foi. Tudo perece. Diferenças hoje, caso existam, são programáticas. Imagino que Ruth Cardoso tenha sofrido ao longo desse processo de diabolização. As fofocas garantem que Fernando Henrique nem sempre foi fiel. Não o desculpo. Nem o condeno. Constato que seu amor se mostrou até a última cena. Não pretendo construir agora uma idealização. Nunca sequer votei em Fernando Henrique. De certo modo, a sua trajetória política, especialmente como presidente da República, obscureceu um pouco o valor intelectual da sua mulher e também o seu, embora não tenha sido a catástrofe anunciada pelos seus adversários.
Demonizar e humilhar o outro é a característica principal do jogo político. A lógica partidária sobrepuja o interesse comum. O mesmo ocorre agora com um homem que já mostrou ser muito inteligente, mas que, por não ter uma educação formal elevada, enfrenta o desprezo de setores elitistas. Tenho certeza de que Ruth, assim como Marisa, deve ter segurado muitas ondas de um marido às voltas com as contradições da política e das próprias ambições. Não guardei na memória imagens da época de Fernando Henrique no poder. Essas imagens edificantes se repetem, todas marcadas pela estética positivista da autoridade. A imagem, contudo, de Fernando Henrique, destituído de qualquer poder, vacilando diante do inexorável, ficará por muito tempo em minha mente. Estava ali a potência humana: a aliança que nem a morte destrói. Ao final, volta-se ao começo.
Sempre achei estranha a expressão "blog". Meio indecifrável. Na verdade, o som mais me parece onomatopéico (horrível, esta palavra) para soluço. E soluço é um negócio que dá, passa e volta, quando menos se espera. Assim, depois de uma arrancada entusiasmada seguida de uma parada de quase três meses, este "blog" ressuscita por mais uns tempos, para em breve virar site. Por enquanto, vou por aqui. Vem comigo. Tem umas coisas divertidas e outras preocupantes para ler nestas páginas.
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